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  • Foto do escritorDavi Junior

RESENHA: Relatos Selvagens



Com a evolução das tecnologias, com as facilidades de se conseguir comida e com o ideal do sucesso ungido sob uma mente que supera o físico, o homem se tornou um ser cada vez mais humano e complacente com as dores e os sentimentos do seu próximo. Porém, o eu-selvagem sempre habitará a alma humana, seja por herança genética ou como sistema de defesa. Pelo menos, é o que mostra Relatos Selvagens, filme argentino premiado no mundo todo.

ESTRUTURA SELVAGEM

Em 28 de outubro de 2015, o Cine Belas-Artes da capital paulista bateu um recorde histórico: completou-se um ano ininterrupto de exibição de um mesmo filme estrangeiro nas telas do cinema. Para quem não conhece, o Cine Belas-Artes é um cinema de rua a moda antiga que, após quase fechar as portas visto a concorrência desleal com os multiplex dos shopping centers, conquistou um público cativo ao se dedicar a exibição de filmes mais cults, alternativos para o grande público, mas essencial para os cinéfilos.

O filme em cartaz era nada mais nada menos que o longa Relatos Selvagens, filme indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro que elevou a qualidade do cinema argentino a patamares nunca antes visto: sintetizando qualidade, originalidade e quebra de paradigmas em uma só produção.

A ideia do diretor Damien Szifrón era abordar de diferentes maneiras como o ser humano pode se tornar tão selvagem quanto o meio que ele chama de selvagem. Para isto, ele decidiu dividir o filme em 6 histórias diferentes, cada um com seus personagens, seus cenários e seus dramas particulares, mas sempre abordando uma característica humana que o faz perder o status quo de ser racional.


Erica Rivas de noiva é o maior espetáculo do filme!

Logo na abertura do longa, nos é mostrado tomadas de vários animais, variando entre estados de caça até momentos de repouso, focando olhares e movimentos que muito se parecem com seres humanos também nesses estados, já iniciando com uma bela metáfora do quão próximos homem e animal podem ser.

DO AVIÃO AO FILHO PRÓDIGO

O diretor Damien Szifrón disse que ele encara a ideia de dirigir um filme como um exercício para explorar a realidade além da realidade, ou seja, eles gosta de pensar em histórias possíveis, porém impensáveis de se acontecer. Por isso, os personagens de Relatos Selvagens são todos visivelmente perturbados ou fixados em ideias comuns do dia-a-dia que elevados a niveis extremos se tornam muito preocupantes.

É muito mais interessante assistir o filme às cegas, sem conhecer o roteiro das seis histórias, por isto, esta resenha vai se conter e evitar spoilers, focando nos pontos interessantes que a linha criativa que o filme segue, provocando o espectador e atraindo a sua reflexão.

Mesmo tendo que criar personagens e situações novas a cada capítulo, o filme em nenhum momento perde o fio da meada, atraindo a atenção do espectador a cada cena, fazendo do filme uma experiência totalmente dinâmica. As seis histórias são fantásticas, mas 3 delas são excepcionais, e a primeira delas é a que introduz o filme: Pasternak.


Nunca faça isso no trânsito!

Esse primeiro capítulo é a grande isca do filme. Mesmo sendo bem curto, o diretor cria uma situação angustiante dentro de um avião numa mescla de O Carro Desgovernado com Força Aérea Um, sendo possível de só esta história protagonizar um filme inteiro. É o tipo de drama que fisga o expectador e o faz ter certeza que ele vai gostar de todo o longa.

As duas histórias que seguem abordam a vingança desmedida em uma lanchonete em Las Ratazanas e a ira que se pode chegar em momentos de provocação em El más Fuerte. Em todos capítulos o humor negro é bem acentuado, mas estas duas histórias destacam-se por brincar com personagens bem caricaturais. Assista ao filme acompanhado e você vai poder ver as reações mais diversas de todos ao seu lado.

O capítulo Bombita é outro excepcional que traz um pouco de alívio ao público. Certamente, não ninguém que não consiga se colocar na pele do personagem de Ricardo Darín, um dos atores mais influentes da Argentina, e dizer que nunca pensou em tomar as atitudes que ele tomou.

Neste capítulo, em específico, é interessante notar como é desenvolvido o gatilho que transforma o homem em fera. Szifrón foi muito feliz em se aproveitar ao máximo dos recursos de câmera para captar os movimentos dos olhos dos atores que demonstram o efeito “chega!” dos personagens.


É angustiante ver consternações das personagens.

La Propuesta vem como um complemento aos demais, abordando de maneira angustiante o drama psicológico que o próprio ser humano consegue se colocar quando põe seus interesses na frente de qualquer situação de punição.

RELATOS CASAMENTEIROS

E genialmente aumentando as expectativas dos expectadores, Szifrón encerra seu filme com uma verdadeira obra-prima quando coloca a atriz Érica Rivas protagonizando um casamento dos sonhos que consegue captar todos os sentimentos dos episódios anteriores e unir numa mensagem final extasiante e inesperada.

Claramente influenciado pelas noivas que o escritor brasileiro Nelson Rodrigues criou em suas peças, em especial “Vestido de Noiva”, a história aborda tanto o lado racional quanto as atitudes desmedidas que as alucinações geradas por situações selvagens podem causar. Do mesmo jeito que Nelson, Szifrón realidade e alienação se mistura em uma sintaxe reflexiva e provocativa.

Todo mundo se coloca na situação dos personagens.

Roteiro, produção, fotografia, interpretação. Tudo em Relatos Selvagens é feito com um primor comparável a poucas poucas produções hollywoodianas. Uma verdadeira quebra de paradigma quanto a ideia de fazer cinema, utilizando-se dos conceitos antropológicas para afetar a quem assiste com exímia proeza que inverte o papel de personagem e expectador e metaforiza como nenhuma outra produção, o quão irônico são os lados selvagens e civilizados podem parecer um para o outro quando colocados lado-a-lado.

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