Davi Junior
RESENHA: Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força

O que é o novo e o que é o velho quando um choque de gerações se une num mesmo propósito numa mistura de expectativas, aspirações e pontos de vista? O que é o novo e o que é o velho quando não importa qual seja o estilo, a origem ou o destino, mas sim a mensagem final? O que é o novo e o que é o velho quando até mesmo o novo e o velho são contestados quanto a sua ordem cronológica? Meus caros, a resposta para tudo isso é Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força.
CATANDO LIXO
Interessante notar como a relação do público com os efeitos especiais do cinema muda em um sistema cíclico muito próximo do das artes áudio-visuais e literárias. Ainda nos anos 70, George Lucas criou diversas tecnologias e sistemas de filmagem para dar vida a sua ópera espacial, e depois, nos anos 2000, o visionário diretor se entregou a tecnologia do chromakey para usar a computação gráfica como principal recurso para moldar seu rico universo. Em ambos os casos, o diretor estava na vanguarda dos efeitos especiais, utilizando ao máximo os recursos que tinha em mãos.
Mas dez anos após encerrar a exibição do Episódio III no cinema, a exigência do público é outra: a galeria de universos criados por meio dos panos verdes soa preguiçosa por expectadores que valorizam os efeitos práticos de diretores como Christopher Nolan (da trilogia Batman – O Cavaleiro das Trevas) que usam técnicas muito mais próximas das que Lucas utilizou nos anos 80 do que das modernas artes que o After Effects pode produzir. É para estes cinéfilos que foi criado Star Wars – O Despertar da Força.
Referência no mundo dos efeitos visuais, a Lucas Film caiu como um tesouro para Disney, que soube avaliar exatamente como tratar o público fanáticos pelo universo de seu visionário fundador quando entregou Star Wars nas mãos de J.J. Abrams, o aclamado diretor de Lost, Alias e Star Trek: Nova Geração.

Atento as exigências de mercado e declaradamente fã da maior franquia espacial dos cinemas, Abrams desde o início mostrou que estava pensando com a cabeça do antigo George Lucas, criando cenários com materiais de verdade, arquitetando robôs inusitados que funcionam no mundo real e fazendo atores caminhar por areias e florestas a fim que estes sentissem na pele as dificuldades dos personagens.
Estes conceitos importados de não muito muito tempo atrás, mas já nostálgico, resume-se bem na protagonista de O Despertar da Força: Rey é uma catadora de lixo, que explora máquinas e veículos perdidos e soterrados no inóspito planeta Jakku para trocar maquinário reciclado por comida. Forte, independente e inteligente, a personagem ainda representa muito bem a atual geração de fãs de Jogos Vorazes que valorizam personagens femininas que em nada deixam a dever para os famigerados protagonistas masculinos das obras de aventura clássicas. Interpretada magnificamente pela Daisy Ridler, a personagem quebrou tabus ao mesmo tempo que cumpriu os desejos dos fãs.

Até mesmo o seu companheiro BB-8 é um símbolo da união do velho com o novo. Enquanto a cabeça do robozinho parece muito com os traços do andróide R2-D2, seu corpo redondo é umas inovação no designs dos maquinários quadradões da obra, além, claro, de fazer parecer impossível sua existência para a física de Isaac Newton.
Junto com Rey, J.J. Abrams ainda “reciclou” uma outra classe de personagem para formar o casal de protagonistas da história: Finn é um Storm Trooper rebelde. Soldados que herdaram a obediência e severidade dos clones das Guerras Clônicas, os Storm Troopers sempre tiveram um visual muito bem aproveitado nos produtos licenciados, mas sempre deixados de lado na trama dos 6 longas da franquia, fazendo apenas o papel dos “bonecos de massa” que aparecem, cumprem a sua função (seja ela perder ou vencer) e vão embora.
Finn (ou FN-2187, como era conhecido como Storm Trooper) rompe o paradigma dos soldados sem desejos próprios e cria uma trama original a partir de um elemento clássico. Junto com Rey, o casal se mostra digno do legado da franquia, com uma “química” incrível, que além de conquistar o expectador, instiga os fãs a quererem saber mais dos personagens. Enquanto Finn protagoniza momentos hilários e ao mesmo tempo de superação, as descobertas e as revelações sobre Rey é o que mais impressiona no filme. O talentoso Oscar Isaac mostrou-se o mais carismático da história (ok, depois do BB-8) e foi a escolha ideal para a proposta ideológica do personagem.

A VOLTA DOS QUE NÃO FORAM
É claro que presenciar a criação de novos elementos, ainda mais quando muito bem feitos, para uma série clássica é muito realizador. Mas o efeito nostálgico que a presença dos antigos personagens causam são fenomenais. Se no trailer a aparição de Han Solo e Shewbacca já arrepiou os fãs, no cinema ele consegue até tirar lágrimas em cenas que fazem referências muito fortes aos seus antecessores.
Como um todo, O Despertar da Força segue muito a linha criativa do Episódio IV: Uma Nova Esperança. Apresenta os personagens, apresenta o vilão e através de um mentor mostra por que os protagonistas podem quebrar o “status quo” do cenário estabelecido.
É por meio de Han Solo que Rey e Finn descobrem que as lendas sobre Jedis e combates épicos para destruir as Estrelas da Morte são reais e é também por ele que o expectador passa a entender melhor quais são os perigos que passam a Nova República instaurada por Leia e Luke com a criação de um grupo que herdou os desejos dos Sith e de Darth Vader: a Primeira Ordem.

E se os fãs acharam que Harrison Ford não daria conta do seu papel (mesmo quebrando a perna durante as gravações), o ator se mostrou peça chave em toda a trama, estando presente em mais de 80% do filme. De estilo debochado e um romântico canalha, impossível não se emocionar em sua cena com Leia (interpretada pela sempre bela Carrie Fisher), que mais uma vez, parecem ter sido feitos um para o outro tamanha as diferenças que aproximam o casal. Destaque total para a atuação do ator, que mesmo sem ser Jedi, se mostrou um verdadeiro mestre da sétima arte.
Até mesmo o maior desafio do filme foi cumprido. Apesar deixar para os próximos filmes o desenvolvimento do Líder Supremo Snoke (que aliás aparece aos seus subordinados no maior estilo vilão de tokusatsu), Kylo Ren se mostrou um vilão digno de ser odiado.
De personalidade fraca e por vezes oscilante, o rebelde sem causa interpretado muito bem por Adam Driver transita entre aclamado e odiado pelos expectadores por diversas vezes, visto que o personagem é exatamente o retrato de um corte do cordão umbilical com a hexalogia original. Se por vezes, este pareceu indigno do legado de Darth Vader, não há fã no cinema que não torça entusiasticamente para que o vilão seja derrotado em sua batalha final, visto o quão dramático é o seu climax.

Além disso, o fato de todos da Nova República conferirem a Luke Skywalker a última esperança para vencer a Primeira Ordem, faz que o filme todo tenha um tom de mistério acerca do paradeiro do grande herói da Aliança Rebelde, fazendo com que os fãs fiquem teorizando, durante o filme, a partir das informações passadas, como o último jedi vai aparecer. E o resultado faz muito bonito!
UM NOVO ÉPICO
Explorando cenários diversos como desertos, gelo e florestas, todos os lugares clássicos da hexalogia se fizeram presentes no novo filme. Somando com personagens, atores, máquinas e batalhas especiais de tirar o fôlego, J. J. Abrams se mostrou, além de fã, um diretor tão visionário quanto George Lucas, fazendo com que todos os fãs não possam imaginar melhor mente criativa para tomar conta da franquia.
Como foco na aventura e na trama individual de cada personagem, o longa deixa a trama política às margens de um contexto simples e claro como nos anos 80, mas tão profundo e interessante de ser explorados em outros meios como livros, desenhos animados e games como na trilogia dos anos 2.000.

Um verdadeiro encontro de gerações, o filme respeita o legado de Star Wars ao mesmo tempo que apresenta um rico universo para os fãs de primeira viagem. Apesar de ser muito mais interessante assistir ao longa depois de ter visto os outros seis filmes da franquia, qualquer um que se arrisque a começar sua história com o Episódio VII vai se deliciar com o ritmo frenético dos acontecimentos e de seus três atos muito bem definidos.
Com um final extasiante e cheio de reviravoltas, todos os fãs que sentarem na sala de cinema para contemplar essa verdadeira obra-prima do cinema contemporâneo vão concordar com o mesmo ponto: não importa se é novo, velho, contemporâneo, noir, clássico ou fora de paradigma, Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força é o resultado de uma legado que traz novamente aquela torcida pelo mocinho, a rivalidade com o vilão e a emoção de uma luta entre o bem e o mal tão inocente que só um universo de muito tempo atrás, em uma galáxia muito muito distante é capaz de trazer!